1 de dez. de 2008

Relatando a prática

Histórias da Vanda


O EMOCIONÔMETRO

Manhã de sexta-feira. Após exaustiva semana de
trabalho, fiz uma triste constatação: meus alunos estavam ficando cada dia mais agressivos uns com os outros. Parecia que o nosso combinado de início de ano (aquele com as regras da sala, onde todo mundo se propõe a cooperar para o bom andamento das atividades da sala de aula), havia sido esquecido. A impressão que eu tinha é que se eu me ausentasse da sala por alguns instantes, eles partiriam para agressões físicas.

Assim, a famosa pulga que vive
atrás da minha orelha soprou que eu precisava urgentemente de um projeto que envolvesse as “emoções” das crianças. Lendo alguns livros e reportagens, encontrei o relato de uma professora que
usava uma espécie de “medidor de emoções”- o Emocionômetro – um cartaz com o nome de alguns sentimentos como
raiva, esperança, tristeza, etc., relacionados a várias cores. Por exemplo:
a cor vermelha significava vergonha, o verde esperança, o branco calma, o azul paz... e assim por diante, cada sala podendo criar seu próprio código.

Na segunda-feira, começamos a aula com a leitura de um texto sobre uma luz que se acende dentro da gente quando temos sentimentos bons. Disse-lhes que eu estava triste e que não sabia por que a minha “luzinha interior” estava apagada. Então, colei o Emocionômetro na parede da sala, dizendo que eu estava “cinza” (triste). Pedi que lessem, a seguir, o nome de cada sentimento e sua cor.

Cantamos a música do Arco-íris da Xuxa, que fala sobre a energia das
cores e tudo foi transcorrendo normalmente, até que uma aluna disse em
tom fúnebre que estava preta (muito triste), porque seu cachorrinho havia morrido. E assim as crianças foram relatando, uma a uma, como estavam se sentindo naquela manhã . Umas estavam verde(esperançosas), pois iriam receber visitas ou presentes. Outras estavam laranja (alegres) e outras roxas (com raiva).

Nesse momento, procurei focar as relações em sala de aula, perguntando como se sentiam em relação aos colegas. Foi um desabafo geral. Surgiram queixas de xingamentos, implicâncias e até tapas no recreio foram relatados. Quando terminaram de falar, perguntei como se sentiam após essa experiência. Algumas disseram que estavam aliviadas. Outras ainda guardavam uma pontinha de rancor, apesar de perceberem que o clima havia mudado.

Durante aquela semana, combinamos conversar com o
colega em português, e não em “chutês ou soquês” (língua dos chutes e socos), e que todos deveríamos relatar para a turma a cor em que nos
encontrávamos naquele dia, ou seja, como estávamos nos sentindo. Se alguém dizia que estava roxo, tentávamos fazer aquela pessoa mudar de cor enviando recadinhos ou balinhas com frases encantadas como:
“Sou seu amigo”, “A vida é legal”, “Tente outra vez”, etc. Como eles estavam com muita raiva acumulada, precisamos usar um artifício complementar.

Levei uma lata pintada de preto, com algumas cobras e lagartos desenhados de amarelo, que as crianças logo apelidaram de “latinha da raiva”. Assim, quando a ofensa era muito grave ou quando alguma criança tinha vergonha de relatar em público o seu sentimento, ela podia escrever suas emoções num papelzinho e jogar dentro da lata, como se estivesse se desfazendo daquilo que a atormentava. Em casa eu destruía todos os papéis e só lia em segredo aqueles que as crianças permitiam. Algumas só rabiscavam o papel.

Com o tempo, todos nós fomos aprendendo a dizer o que sentíamos. A
quebra de regras diminuiu na mesma proporção que a agressividade entre os alunos. Porém, quis fazer um teste com eles e escondi a latinha da raiva dentro do armário, já que ela não estava sendo muito usada. Numa sexta-feira, após uma outra semana de trabalho, um aluno chegou ao meu ouvido e disse preocupado:
- Ô tia, cadê a latinha da raiva?
- Ora, por que você está amarelo (preocupado)? – Perguntei-lhe.
- É que eu preciso da latinha emprestado pra mostrar pra minha mãe onde a gente despeja a raiva da gente...
Valeu ou não valeu?



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