
O TOMBO DA PROFESSORA
Para chegar à Escola, podíamos passar por dois caminhos: a estrada, cujo percurso demorava uns 15 minutos, ou a pinguela, que desembocava na rua principal da vila. Na verdade, essa pinguela era um tronco de coqueiro deitado sobre um córrego. Havia muita lama nas margens e focos de Shistosoma mansoni. Particularmente, não gostava de seguir por esse atalho, mas quando era preciso poupar tempo, a pinguela era a solução.
Num dia de muita chuva, o caminhão que fazia nosso transporte chegou atrasado. Os alunos já aguardavam as professoras do outro lado da pinguela. Encharcada e com quatro bolsas nas mãos iniciei a travessia.
Enquanto andava sobre aquele tronco, lembrei que precisava tomar uma importante decisão a respeito do trabalho com as crianças. Eu vinha enfrentando sérios problemas de disciplina. Na verdade, eu não estava conseguindo “vender meu peixe”...
Naqueles poucos segundo de travessia, um turbilhão de pensamentos tomou conta de minha cabeça. Quando estava quase terminando meu percurso, faltando apenas alguns passos, aconteceu o pior: escorreguei! Sujei-me completamente, mas salvei as bagagens! Alguém gritou: “A professora caiu!”
Por causa de uma crise de risos, não conseguia levantar-me da lama. Praticamente fiquei encalhada. Alguns alunos vieram ao meu socorro.
No rosto dos alunos havia um ar de riso preso, como se quisessem caçoar de mim. Porém, sem nada dizer, escrevi no quadro algumas palavras inventadas momentaneamente. Pedi que copiassem. Apaguei o quadro e pedi que desmanchassem tudo. Alguns reclamaram, mas não dei ouvidos e pedi que copiassem uma lista de palavras do livro. Uma aluna quis falar, mas não permiti. Até que um deles esbravejou: “Qual é, tia, a senhora esqueceu como é que se dá aula?”
Questionei, então, sobre como se sentiam naquele momento. É claro que estavam incomodados com aquela situação. Disse-lhes, então, que eu sentia a mesma coisa quando não me respeitavam. Exprimi-lhes meu descontentamento com suas atitudes ofensivas, alguns ficaram perplexos. Pareciam cair em si, assim como eu havia caído da pinguela.
Conversamos sobre regras e sua necessidade para um bom convívio social. Convidei uma aluna para anotar nossas conclusões e assinamos um “combinado”, no qual estavam descritas as novas normas da sala. Passei tudo para um cartaz que ficou exposto na parede até o fim do ano letivo.
Apesar de algumas regras terem sido modificadas com o tempo, todos nós aprendemos a lição: a base de todo relacionamento é o RESPEITO. Deixamos as gritarias de lado e diminuímos as exclusões. Quando alguém quebrava alguma regra, a própria turma interferia e chegávamos a um consenso.
Na última semana letiva, fizemos um balanço geral do ano, relatando os pontos positivos e negativos. Cada um escreveu sua opinião num formulário que criamos. Ao ler um deles, dei uma imensa gargalhada. Lá no meio da lista de pontos positivos um aluno escreveu: “o tombo da professora”.
