"SEM A CURIOSIDADE QUE ME MOVE, QUE ME INQUIETA, QUE ME INSERE NA BUSCA, NÃO APRENDO NEM ENSINO." (Paulo Freire)
25 de ago. de 2008
HISTÓRIAS...
O MENINO DO LÁPIS PRETO
Era um menino sisudo, de poucas palavras. Sentava-se na última carteira. Do seu canto, olhava-me com desconfiança. No recreio, isolava-se dos demais. Minhas tentativas de aproximação foram frustradas, até que um dia descobri que ele tinha uma enorme facilidade para desenhar. Porém, todos os seus desenhos eram pintados de preto ou marrom.
Como as crianças costumavam colar seus desenhos no “Cantinho das Artes”, sugeri que também usasse aquele espaço para expor sua criatividade. Ele gostou da idéia, mas desistiu assim que um colega disse que era estranho, pois só pintava os desenhos de preto. Aquele episódio deixou-me intrigada.
Comecei, então, minhas primeiras investigações acerca do “menino do lápis preto”. Teria problemas psicológicos? Seria uma criança reprimida? (Aliás, por que é que nós, professores, temos mania de rotular nossos alunos?)
Descobri que brincava de pique na rua. No campo, jogava bola. E o mais incrível: sabia contar os pontos num jogo de sinuca. Quando alguma bola caía, ele somava todos os pontos da mesa e sabia quais bolas precisava atingir para vencer!
Eu não conseguia entender como uma criança podia agir de um jeito na escola e de outro na rua. Resolvi, então, mudar a dinâmica das aulas. Comprei joguinhos, alguns eu mesma confeccionei com as crianças e procurava textos que falassem sobre futebol. E não é que o garoto esboçou um sorriso lá atrás? Mas os desenhos continuavam a vir de preto.
Depois de muito trabalho, resolvi aplicar meu golpe final: conversaria com ele frente a frente, olhos nos olhos.
Numa sexta-feira, quando o sinal tocou, disse-lhe que precisávamos conversar. Perguntei se estava gostando das aulas. Ele balançou a cabeça com um “sim” meio tímido. Disse-lhe que eu era uma pessoa de confiança e que estaria pronta para ouvi-lo caso tivesse algum problema. Ele apenas sorriu.
Então, tomei coragem e, perguntei-lhe por que só usava lápis preto e marrom para colorir seus desenhos?
- É só isso, professora? – Respondeu-me com outra pergunta - O problema é que eu só tenho esses dois lápis, e fico com vergonha de pedir emprestado...
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